Bolicho, o clube do pampa

Bolicho: venda, bodega
da velha pampa bravia.

O mesmo que pulperia,
altar do fumo e da canha
é pequeno e não se acanha
de ter tão pouco ali dentro.
Foi ele o primeiro centro
social da nossa campanha.
Jayme Caetano Braun

A campanha sempre foi desprovida de abastecimento. Nas guerras, alguns comerciantes seguiam as tropas levando mantimentos. Tais fornecedores receberam o nome de vivandeiros. Em carretas, ou no lombo de burros, alguns homens percorriam os camps vendendo produtos, especialmente tecidos, artefatos de ferro (facas, facões, machados, foices), panelas e bebidas.

Mas, com a povoação regular do pampa, surgiram as casas de pequeno comércio nas beiras das estradas (os corredores) e nas encruzilhadas. Eram os bolichos (ou boliches), vocábulo introduzido pelos espanhóis na América meridional. Seus donos constrituíram uma nova categoria na paisagem pampeana: a dos bolicheiros. Essas casas, geralmente simples ranchos barreados e cobertos de capim santa-fé, passaram a fazer os negócios de secos e molhados, vendendo mantimentos e instrumewntos indispensãveis á vida no campo.


Parede de pau-a-pique,
sete braças de comprido.
Chão de barro bem batido,
cobertura e capim.
Garrafas nas prateleiras
se entreveram com chaleiras,
peças de chita e de brim.
(Apparicio Silva Rillo)

Na arquitetura crioula dos bolichos, cantada pelo poeta, fazia parte do mobiliário um balcão picado de faca, posto ao comprido pela sala, assim meio atravessado. Além do comércio, transformaram-se em clubes de cvampanha, freqüentados tanto pelos moradores da região como pelos viajantes e gaúchos andarinhos. às vezes, neles passavam as tardes; e, no final de semana, os dias. No entanto, os camponeses pobres formavam a principal clientela.

Silva Rillo aproveitou essa contradição social e criou a imagem poética de que a tábua de teu balcão é a mesa de comunhão da gauchada gaudéria; é o rude confessionário onde o guasca solitário chora as mágoas da miséria...

Rinha de galos, 1858. Desenho de Jean León Palliere. Bueno Aires: Museu Histórico Nacional.

No seu espaço, o bolicheiro passou a explorar diversos jogos, especialmente os de carta, o truco, o de osso, a carreira de cavalos e a rinha de galo. Essa jogatina, em muitos casos, transformava-se em peleias, brigas de adagas, arma que os homens do campo sempre traziam à cintura e no seu uso eram destros.


Outra vez, em um bolicho
tomava uns tragos, à tarde;
um taura, fazendo alarde
quebra e de valentão,
foi se chegando, e meteu
o pingo sob a ramada;
sem que lhe dissesse nada,
me quedei junto ao balcão.

Era um guapo ali do pago,
a quem ninguém reeprendia,
pois de que enredo vivia
com o senhor comandante.
e como era protegido,
andava sempre entornado
e a qualquer um desgraçado
logo levava por diante.
(Martin Fierro, Canto VIII)

A meia-cana,1839.
Aquarela de Carlos Morel. Argentina, Museu Nacional de Belas Artes.

Mas os bolichos não promoviam só "bolichos", nome utilizado no pampa para designar essas desordens. Também se transformavam em espaço de lazer e festa. Sempre que violeiros a geiteiros surgiam, formavam-se espontaneamente as tertúlias. Por longas horas, prosseguiam em cantorias, com músicas populares e versos improvisados. Os "pajadores" contavam histórias do pampa, ou desafiavam outros cantores para ver quem era o mais capaz da rima.

Três maneiras de o homem pampeano se vestir.

Representam épocas distintas: 1)1770- 1820; 2)1820-1870; 3)1870-1920. Nas duas primeiras, predominam os chiripás. Nas últimas, após a Guerra do Paraguai, a bombacha, peça do uniforme da cavalaria turca, vendida pelos ingleses aos exércitos do Brasil, Argentina e Paraguai (tríplice Aliança), espalhou-se pela campanha. Ilustração de Frederico Reilly. Assunção, 1978, v.2.