
O Pequeno Gaúcho e o Mate das Estrelas
Numa noite fria de inverno, quando o céu parecia um poncho bordado de estrelas, um gaúcho velho, de barba branca e olhar sereno, estava sentado ao lado do fogo, cevando seu mate. Foi quando ouviu um estalido suave entre os arbustos. De lá saiu um guri de bombacha larga, boina caída pro lado e um cusquinho no encalço.
— Buenas, vivente — disse o guri —. Vim de longe. Do Cerro do Silêncio, onde as palavras pesam menos que os olhares.
O velho sorriu e estendeu a cuia.
— Então senta, guri. Mate bom a gente compartilha com quem vem por bem.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, ouvindo o barulho do vento e o estalar do fogo. Depois o guri falou:
— Lá no meu cerro, me ensinaram que o mais importante não se vê com os olhos. Se sente com o coração... como um mate bem cevado.
O velho assentiu com a cabeça.
— É verdade. Já vi muita gente contar boi e perder o encanto do céu. Esquecer que confiança é como domar cavalo chucro: exige tempo, paciência... e palavra.
O guri riu com o canto da boca.
— Também aprendi que quando a gente cuida de algo, ele vira parte da gente. Como um cusco que te segue ou uma rosa que tu rega todo dia.
— Ou como a amizade — completou o velho —. Que se fortalece na roda de chimarrão, no silêncio bom, naquele “tamo junto” sem precisar falar.
O pequeno gaúcho olhou pro céu e apontou.
— Cada estrela é uma lembrança. E quem aprende a olhar pro alto nunca tá sozinho.
O velho olhou também. E por um instante, jurou ver um galpão de luz entre as estrelas, como se os que partiram estivessem por lá, tomando mate em outro plano.
O guri se levantou.
— Já posso ir. Só queria lembrar que ser gaúcho não é só andar de bota ou laçar boi. É saber ver beleza onde ninguém olha. É manter a alma acesa, mesmo nos dias frios.
Ele deu um pulo leve, montou num cavalo que ninguém vira chegar, e sumiu na estrada de estrelas.
O velho ficou ali, olhando pro fogo, e sorriu. Sabia que aquela noite não era comum. Tinha recebido uma visita vinda da alma da tradição.
E desde então, cada vez que olhava o céu, via um brilho novo. Como se o mate que tomava fosse cevado lá do alto, pelo pequeno gaúcho do Cerro do Silêncio.